Dou
início hoje, aqui no blog, a uma série de entrevistas chamada
“Bastidores”, com figuras importantes e influentes da música sertaneja
que nem sempre se tornam conhecidas do grande público.
São
produtores, assessores, empresários e contratantes contando um pouco de
sua história e de sua importância para o atual estágio do sertanejo.
Toda segunda-feira haverá uma nova entrevista.
Hoje, na estreia, a entrevista é com o produtor musical Dudu Borges.
Eduardo Borges de Sousa, 30 anos, campograndense.
Conhecido
como Dudu Borges, o produtor deixou o Mato Grosso do Sul e se mudou
para São Paulo aos 17 anos, atrás de música. Cresceu musicalmente na
igreja, virou nome respeitado no mercado gospel, e se tornou produtor e
músico da banda “Resgate”.
Dudu
é o principal produtor sertanejo da atualidade. Em suas mãos,
atualmente, estão Bruno e Marrone, Jorge e Mateus, Michel Teló, Luan
Santana, Fernando e Sorocaba, João Bosco e Vinícius, Marcos e Belutti,
entre vários outros, todos produzidos em seu estúdio fundado em 2009 em
São Paulo, o “VIP”.
Na
lista publicada semanalmente no blog com as canções sertanejas mais
tocadas, ele chega a dominar quase metade das posições. No ranking
divulgado hoje, na postagem anterior, das cinco primeiras canções,
quatro são produções suas: “Te Esperando”, “Vidro Fumê”, “Amiga da Minha
Irmã” e “Veneno”.
A
carreira bem sucedida, no entanto, encontra resistência dentro mesmo do
meio sertanejo. Considerado o principal responsável por ter tornado a
música sertaneja em música pop, ouve duras e repetidas críticas de quem
não considera que sua linha possa ser chamada de “sertaneja”.
Abaixo, a conversa que tive com ele.
Você se reconhece como o cara que criou essa fase atual do sertanejo?
Quando
eu produzi João Bosco e Vinícius pela primeira vez, no final de 2000,
eu não tinha noção do que poderia acontecer. Eu fiz o que achei que
tinha de ser feito, mas sem imaginar que aquilo poderia mudar o rumo das
coisas. Eu sei que eu mudei a música sertaneja, mudei todo um estilo,
mas foi tudo feito sem essa pretensão.
Pega
João Bosco e Vinícius e vê o que vem depois disso. Ali foi a mudança,
com “Sufoco”, “Chora, me liga”, “Falando Sério”. Veja o que veio depois,
de Luan Santana até qualquer outro artista. Começou ali. Não existia
uma música com tanta virada de bateria, com tanta conversão, com tanto
detalhe quanto “Sufoco”. E ao mesmo tempo soava seco, sem muitos
instrumentos. Até ali, ninguém tinha feito isso.
Não demorou muito pra que as críticas surgissem, principalmente na linha de que você estava estragando o sertanejo…
Sim,
não demorou nada. Hoje eu não me incomodo sinceramente com crítica, mas
aprendi depois de apanhar muito. O que incomoda é a falsa crítica, o
cara que fala mal de você, mas vai lá e faz o arranjo igual. O difícil
da crítica no começo é você ver tudo o que você está conquistando, o que
você está acertando, e ter de ouvir coisas contrárias. Mas é do jogo.
Quando você chegou a conclusão de que havia deixado de ser um produtor promissor pra se tornar uma grife, uma figura relevante?
Quando
as pessoas que eu sempre admirei passaram a me respeitar. E no fim, é
isso que importa. Olha só… eu receber uma ligação do Bruno e Marrone,
depois de tudo que falaram que eu estraguei o sertanejo, é uma coisa
inexplicável. Você percebe que não tava errado naquilo que fez. Nomes
indiscutíveis da história da música, caras que vão ser lembrados pra
sempre, me procurando pra fazer um trabalho novo e a gente conseguindo
fazer mudanças importantes na dupla. Isso me fez me sentir melhor.
Com
o tanto de artistas de primeiro escalão que você produz atualmente, é
inevitável que você fique em meio a um fogo cruzado entre escritórios e
entre cantores que não têm boa relação ou até mesmo uma concorrência
mais acirrada. Como você lida?
Eu
tento ser imparcial, mas não sou… assim… tudo o que eu puder fazer pra
unir todos e deixar as coisas em paz, eu tento fazer. Na hora certa, no
momento certo, eu vou lá e tento. Quem mexe com música, na maior parte
dos casos, têm os sentimentos muito aflorados, então nem sempre é fácil.
E muitas vezes os “grandes problemas” são coisas tão pequenas que passa
o tempo e eles se esquecem. Pode parecer só algo bonito, mas não é: a
música é capaz de juntar todo mundo. É através dela que eu vou sempre
tentar unir, acho importante isso, e costuma funcionar.
Você
tem uma marca forte nas suas produções, deixa sua assinatura nos seus
trabalhos. Produzindo tanta gente de repercussão, não corre o risco de
os produtos começarem a ficar muito parecidos?
Eu
tenho que saber que eu preciso dar a cara do artista ao disco dele, e
não a minha cara. Eu me inspiro no cantor ou na dupla pra que o trabalho
fique parecido com ele, não comigo. A partir daí é que eu começo a
fazer o meu trabalho.
Mas e suas preferências de timbre, músicos, ritmos? Não há um risco de ficar tudo meio padrão?
Sim,
é um risco que precisa de cuidado, tenho que pensar nos outros discos
que já fiz pra não repetir algumas coisas, mas não é algo tão complicado
dessa forma. Há muitos artistas que tocam, como o Mateus (Jorge) e o
Fernando (Sorocaba), então cada um já tem uma personalidade traçada.
Você é difícil na hora da produção? Costuma ceder?
Acho
que isso passa pela relação que você tem com o artista. Nós estamos
juntos pra fazer o melhor trabalho possível, então os dois precisam
saber ouvir, eu tenho essa consciência. Não sou de levantar a voz,
brigar, não faço isso, mas se o cara quiser um produtor só pra fazer o
que ele manda, eu não sou esse cara. Eu sei que se der errado, a culpa
vai ser minha, então eu preciso puxar essa responsabilidade.
Você já gravou algo que se arrepende?
Já. Não a ponto de me arrepender amargamente, algo que vai manchar minha carreira, mas já abri exceções que não foram legais.
Sabe-se
que você é o produtor mais caro do mercado atualmente (ele preferiu não
abrir os valores na entrevista), algo natural pelo espaço que você
conquistou. Como é essa sua relação financeira com os artistas?
Eu
uso a boa relação com os artistas e os empresários pra lidar com essa
situação. Não há só uma forma de você receber, você pode receber na
venda dos CD’s, você pode receber algum adiantamento, pode procurar
várias formas. Eu me preocupo com o outro lado também. Sei que apesar
dos cachês altos, há muita conta a se pagar.
Hoje
consigo sentar com uma dupla ainda no começo, disposta a pagar mais até
do que eu pediria, e dizer pra eles não gastarem esse dinheiro assim.
Os valores mais altos acabam sendo com os artistas do topo. Não é que eu
cobre de acordo com o que eu sei que o cara ganha, não é isso, mas é o
quanto um trabalho de tanta repercussão não me consome. Eu me doo o
máximo ao projeto e assumo toda a responsabilidade de cada trabalho, e
isso tem um preço.
Tem
uma coisa interessante de contar. Eu produzo música uma atrás da outra
há anos, sem parar. O reconhecimento demora muito, é uma estrada muito
longa. Um hit não muda sua vida, dois, três não mudam. Um disco bom
também não muda, você precisa fazer outro, e outro. Eu vim pra São Paulo
com 17 anos e fui ganhar dinheiro 2, 3 anos atrás.
Uma
das suas parcerias que mais repercutiu foi com Jorge e Mateus, talvez a
que mais tenha gerado discussões até hoje. A dupla chegou já grande ao
seu estúdio, e você apostou em uma mudança forte no estilo da dupla.
Como foi essa passagem?
Quando
a gente começou a trabalhar junto, foi uma época bem difícil pra mim.
Você ler todos os dias que você não vai superar um disco sendo que você
não teve chance ainda de fazer sequer uma nota do novo trabalho, é
difícil, incomoda. Eu arrisquei o que eu podia e dei minha vida nesse
disco (Aí Já Era). Eu tinha certeza que seria um disco que ou daria
muito certo, ou daria muito errado. Ninguém sabia o que iria acontecer,
apesar de eu saber que era bonito, muito bem feito. Eu mexi no jeito do
Jorge de cantar, eu ganhei o respeito do Mateus e eles comparam a ideia
de arriscar.
Faz
pouco tempo, até, ouvi uma pessoa próxima dizer que o que eu fazia não
era a cara do Jorge e Mateus. Mais uma vez, tive que ouvir e fiquei
quieto, mas me incomodou. Hoje, com essa popularidade, com esses
números, com essa carreira impressionante, eu não tenho dúvidas que a
cara do Jorge e Mateus é a do “Aí Já Era” pra cá.
É o seu melhor disco?
Não.
Sem demagogia, não consigo enxergar um melhor disco. Só pra te dar um
exemplo, eu sinto o “A Hora é Agora” melhor que ele. Aliás, como eu vou
comparar um disco com o “Curtição”, com tudo que ele representou? Cada
caso é um caso, sem demagogia, não teria problema em dizer se houvesse
mesmo algum.
Sinceramente,
pra ficar no Jorge, eu acho o “A Hora é Agora” mais completo, mais
maduro. A diferença é que o “Aí Já Era” tinha o fator novidade, que faz
com que as pessoas falem dele até hoje.
A
certa altura da ascensão do novo sertanejo, o mercado se viu liderado
por dois produtores: você e o Ivan Miyazato, além de uma série de
músicos oriundos de Campo Grande. O que essa turma tinha de tão especial
pra chegar tão longe?
Eu
não sei, cara. Eu não sei explicar. Parece meio gospel o que eu vou
dizer, mas eu acho que Deus escolheu as pessoas que estavam lá em Campo
Grande e que eram amigos. Todo mundo que tava lá e deu certo, trabalhou
junto em algum momento. Havia alguma química musical e as peças foram se
encaixando.
Você prevê uma queda forte do sertanejo para os próximos anos? Concorda que o estilo tomou um rumo não muito positivo?
Não,
não tem porque ser assim. Há muito o que se fazer, mas é preciso ser
feito. O sertanejo é muito amplo, muito democrático. As rádios
sertanejas tão lá no alto, muitas baseadas no romântico, as festas estão
em alta, com as músicas de balada, e a galera que ouve modão nunca vai
ficar sem os modões.
A
gente tá num momento em que precisa surgir uma novidade, que não é
necessariamente algo que vai chocar ou mudar tudo, mas que precisa se
mostrar diferente. E o meu grande desafio e de quem trabalha com música é
conseguir achar essas novidades sem fugir do sertanejo, pois aí você
erra. Eu tenho a chance e a oportunidade de apresentar coisas novas, e é
isso que tento fazer a cada novo trabalho.
Pra finalizar, queria que você falasse de Michel e “Ai Se Eu Te Pego”.
O
que eu posso te dizer sobre o Michel, resumindo, é que tudo o que
aconteceu com ele, a gente só foi assimilar há pouco tempo. Eu e ele só
tivemos a dimensão do que ele conquistou quando a gente sentiu o que
estava acontecendo com o Psy. É difícil olhar quando você está de
dentro, você não tem ideia das coisas.
Quando
o Psy estourou no mundo e a gente viu de fora, deu pra cair a ficha do
que o Michel tinha conquistado. O estouro “Ai Se Eu Te Pego” lá fora não
mudou minha vida profissionalmente, mas gerou uma marca que eu vou
levar pro resto da minha vida, um número que dificilmente alguém vai
atingir de novo. Por muito tempo eu vou fazer parte da música
brasileira, e eu agradeço muito a Deus por isso.
via Metal Land